www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=196053&p=22&idselect=19&idCanal=19Deco
'Não fiquei com mágoa do Benfica'
Entrou em Portugal pela porta pequena e pela mão do ‘Magriço’ António Simões. O Estádio da Luz era o seu destino, mas nunca chegou a encantar a nação benfiquista. Foi recambiado para o então satélite Alverca, na altura liderado por Luís Filipe Vieira, e começou a dar nas vistas. Mas a sua ascensão não foi fácil.
Ele era “algo reservado e humilde”, recorda Veiga, seu colega no emblema do Ribatejo. Nada que condicionasse o olhar de perdigueiro do presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa.
Do Alverca para os ‘dragões’ foi um passo, com uma paragem de poucos meses no Salgueiros, para despistar potenciais interessados na sua contratação.
O ‘Maradoninha’ do Bonfim Futebol Clube chegou, viu e venceu nas Antas. Muito por culpa de Fernando Santos, que aos comandos da nau azul e branca conseguiu convencê-lo que no futebol moderno o virtuosismo vai de par com a capacidade de sofrimento.
Anderson Luís de Souza agradeceu a lição, José Mourinho fez o resto, transformando um miúdo franzino num dos maiores jogadores do Mundo.
Durante a sua passagem pela Invicta, Deco ganhou tudo o que havia para ganhar – três títulos nacionais, duas Taças de Portugal, uma Taça UEFA e a tão desejada Liga dos Campeões. Espalhou o perfume da sua classe no relvado de Gelsenkirchen e deixou a sua marca no Olimpo do desporto-rei – foi autor de um dos três golos com que a máquina trituradora de Mourinho despachou os franceses do Mónaco.
Talvez por isso mesmo, depois da final começaram a circular rumores sobre o interesse das mais conceituadas equipas europeias.
O ano de 2004 foi de ouro para o menino de São Bernardo do Campo, que ainda ‘moleque’ adorava jogar descalço. Deco naturalizou-se português e, indiferente à polémica liderada por Figo e Rui Costa, pegou de estaca na selecção nacional.
Antes disso, a 29 de Março de 2003, a sua estreia com a camisola das quinas foi um verdadeiro ‘happening’ – marcou o golo da vitória (2-1) no frente a frente contra o seu Brasil, aquele Brasil que apesar das repetidas declarações de amor sempre o ignorou. Naquele dia, no Estádio de Alvalade, a vingança foi servida em bandeja de prata, tanto mais que há 37 anos que Portugal não vencia a melhor selecção do Mundo.
Depois veio a aventura do Euro, marcada pela final perdida contra a Grécia, que em nada manchou a sua reputação. Antes pelo contrário. Deco suou a camisola, convenceu os seus detractores, encantou o planeta futebol. A montra do Campeonato Europeu tinha definitivamente colocado o seu nome nas bocas do Mundo.
Na altura, o Chelsea do czar Abramovich tentou aliciá-lo com um cheque milionário, para recriar em Kings Road as festas repetidas na Avenida dos Aliados. Tanto mais que o guru da casta vencedora, José Mourinho, tinha acabado de partir com armas e bagagens – toda a equipa técnica e alguns jogadores – para Stamford Bridge.
Deco provou que pensa pela sua própria cabeça. Disse não aos ingleses e voltou a manifestar a sua paixão pelo Barça. A declaração soou como música aos ouvidos dos dirigentes catalães: “Sempre gostei muito do Barcelona. É uma das equipas onde gostaria de jogar.” Estava escrito o destino.
O compromisso ficou preto no branco no dia seguinte à derrota portuguesa na final do Euro. O menino bonito do FC Porto assinou contrato pelos ‘blaugrana’, válido por quatro épocas – entretanto prolongado até 2010, com uma cláusula de rescisão de 75 milhões de euros e um salário anual de cinco milhões.
Mal ele pisou o Nou Camp, a ‘aficcion blaugrana’ perdeu-se de amores pela nova estrela. ‘Mágico’ nas Antas, Deco tirou o segundo coelho da cartola. Mostrou que o seu talento não tem fronteiras, tornou-se ‘maestro’ de uma orquestra afinada por Frank Rijkaard, adornada pelos solos de Ronaldinho Gaúcho e acordes sem mácula de Samuel Eto’o. Os resultados não se fizeram esperar: o Barcelona foi campeão de Espanha.
Apesar de uma vida recheada de vitórias, Deco continua o mesmo menino humilde e reservado que um dia abandonou o seu Brasil natal para tentar ser grande no velho continente. Foi sem vedetismos nem falsas modéstias que abriu o seu coração à Domingo, nas vésperas do tão aguardado confronto com o Benfica.
- Quais são as suas expectativas para o jogo com o Benfica?
- Espero que o Barcelona passe a eliminatória, mas tenho consciência de que este vai ser um jogo complicado e sofrido.
- Está com receio deste encontro?
- É um jogo difícil e eu tenho muito respeito pelos meus colegas do Benfica. É uma boa equipa e tão temível como o Barcelona, pois estamos ao mesmo nível.
- Quais são os jogadores do Benfica com quem o Barcelona tem de se preocupar?
- A defesa está muito forte, o Simão é a referência e o ponto forte do Benfica. Este é um jogo muito difícil e claramente vão apostar tudo nele.
- Rijkaard já o questionou sobre o tipo de futebol do Benfica?
- Não há uma preparação especial, pois todos os jogos nos fazem trabalhar muito. Ainda não vimos jogos do Benfica nem sei se vai acontecer, mas o treinador já falou comigo sobre o Benfica.
- Que recordações tem do tempo em que jogava pelo Benfica?
- Não tenho praticamente nenhumas. Eu fui jogador do Benfica por um jogo, pois fui imediatamente emprestado ao Alverca. Nem tenho más recordações, pois nem deu para isso. Não há um laço, uma referência, como tenho com o Porto.
- Sente que o Benfica é que ficou a perder?
- Não sei quem ficou a perder, essa foi uma decisão da direcção do Benfica na altura. Eles acharam que não deviam aproveitar-me e eu não fiquei com qualquer mágoa do Benfica.
- O Benfica prometeu-lhe muita coisa que depois acabou por não cumprir?
- De certa forma, sim. Mas eles também não sabiam, naquela altura, que eu ia evoluir tanto.
- Quer com isso dizer que eles não imaginavam que se transformaria num dos melhores do Mundo?
Sim...
- Vai dar-lhe um gosto especial se ganhar ao Benfica?
- Não. Eu quero é ganhar a Liga dos Campeões e o Benfica está no meu caminho. É só isso.
- Foi o António Simões quem o descobriu. Mantém contacto com ele?
- Infelizmente há muito tempo que não falamos, mas é uma pessoa de quem gosto muito. É uma pessoa de quem tenho boas recordações, não só porque me descobriu mas, acima de tudo, porque sempre mostrou ter um grande respeito por mim.
- É amigo de alguns dos jogadores do Benfica?
- Sou muito amigo do Simão e do Petit, pois estamos juntos na Selecção e isso faz com que tenhamos muito contacto, apesar de estarmos longe.
- Como é a vida em Barcelona?
- É uma vida muito diferente da que tinha no Porto. Em Barcelona tenho uma vida mais calma, apesar de cada vez mais sentir o assédio das pessoas. Acho que já conquistei o coração e o respeito dos espanhóis, que era o mais importante. Mas eu gostava mais de viver na cidade do Porto, e sinto muitas saudades dos meus amigos.
- E sente falta de Portugal?
- Muita, mas eu venho cá todas as semanas a Leça, onde tenho a minha casa e os meus amigos.
- Gosta do Barcelona ou preferia jogar no Porto?
- Estou muito bem no Barcelona, é uma boa equipa e eu só posso estar satisfeito.
- Como é a relação com os colegas do Barcelona?
- A minha relação é fantástica com todos os meus colegas. Eu sinto-me bem no clube e sou muito amigo do Ronaldinho.
- E mantém o contacto com os do Porto?
- Claro, com todos. Principalmente com o Pedro Emanuel e o Bosingwa, pois as nossas famílias são amigas.
- O que espera do próximo Mundial?
- As minhas expectativas são muito boas, e têm de ser para fazer o nosso trabalho o melhor possível. Acho que Portugal tem muitas hipóteses, mas tudo depende da primeira parte. A partir daí tudo pode acontecer. A única coisa que nos pode prejudicar são as lesões, como aconteceu no Europeu com o Jorge Andrade e nos fez perder.
- Acha, então, que o Mundial vai correr melhor?
- Espero bem que sim. Vim a Portugal dois dias de propósito para a apresentação do hino da Galp para o Mundial, que é fantástico e me fez lembrar as emoções fortes do Europeu. Até me arrepiei.
- Depois do Mundial quais são os seus projectos?
- Os meus projectos depois do Mundial são totalmente pessoais: quero voltar a ser pai.
- E tem preferência pelo sexo do bebé?
- Já tenho dois rapazes e uma menina, por isso agora queria que viesse outra para ficar equilibrado. Os meus filhos são o mais importante da minha vida, e sempre sonhei ter muitos.
- Qual é o balanço que faz de quase um ano de casamento?
- A relação está perfeita, não podia estar melhor.
- Mas houve rumores de uma separação
- Houve uma crise, mas isso é normal em qualquer casal. Ou melhor, nem foi bem uma crise, apenas a Jaciara quis voltar a trabalhar e isso implica que ficamos muito tempo longe um do outro, mas está tudo bem, e eu até fui o primeiro a incentivá-la a voltar a trabalhar.
- Ela é a mulher da sua vida?
- Se existe cara-metade, acho que encontrei a minha.
- Gostava de voltar a trabalhar com Mourinho?
- Sem dúvida, ele é um brilhante profissional.